O escritório MNBF trabalha constantemente, com seriedade e compromisso, no aperfeiçoamento da sua gestão, a fim de se manter sempre atualizado quanto às exigências do mercado corporativo e visando, cada vez mais, promover eficiência, segurança e transparência em toda operação interna e na entrega de resultados aos clientes, bem como em estrita observância às normas reguladoras e exigências legais (Compliance). Nesse sentido, a sócia, Dra. Lívia Luz Bolognesi, concluiu com êxito o MBA Gestão Jurídica no Instituto de Pós-Graduação – IPOG, com apresentação do artigo intitulado “Governança Corporativa Aplicada na Gestão do Escritório de Advocacia”, cuja leitura recomendamos muito. O artigo trata da Governança Corporativa, da Gestão Jurídica e das boas práticas de governança para Escritórios de Advocacia.
A confecção do artigo com o tema apresentado analisa a aplicação dos princípios e boas práticas da governança corporativa (GC) como aprimoramento da gestão jurídica de escritórios de advocacia, independentemente do seu porte. A origem do questionamento ocorreu dentro do meu próprio escritório: posso adotar as práticas da governança corporativa ou será muito complexa para o tamanho do escritório? Ela será efetiva? Gerará valor? Aumentará a minha competitividade? Dessa forma, o objetivo da pesquisa foi conhecer melhor as práticas de governança, a fim de tentar desmistificar a sua aplicabilidade para a gestão jurídica, inclusive para escritórios de pequeno porte. A pesquisa se baseou em livros, sites e artigos encontrados na internet. Foram utilizados diversos materiais que tratam sobre o tema governança corporativa, mas há uma carência sobre a abordagem específica na gestão jurídica. No entanto, mesmo diante da ausência de material específico, a conclusão é que é sim viável e se mostra essencial a adoção das boas práticas da governança corporativa nos escritórios de advocacia, pois ela é fundada em princípios éticos que devem ser observados por todos, independentemente do seu porte ou ramo em que atua.
Introdução
O presente trabalho está direcionado para a gestão jurídica nos escritórios de advocacia, com foco na aplicabilidade da governança corporativa. Os advogados e as respectivas sociedades são regulados por normativas editadas pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), mas os escritórios, dentro da contextualização da gestão empresarial, devem estar atentos às atuais exigências do mercado corporativo.
Foi com base nesse raciocínio que surgiu a motivação para desenvolver esse estudo. E mais, diante da constatação de que cada vez mais a ética, como base dos princípios da governança corporativa, tem se mostrado como meio de gestão, é que ela precisa ser adaptada ao perfil de cada escritório, o nicho em que está inserido, bem como ao seu nível estrutural.
Dessa forma, é importante evidenciar os conceitos para melhor entendimento e reflexão do que é governança corporativa, como ela surgiu, sua história, como pode ser utilizada como ferramenta de gestão. Todos esses pontos foram abordados para que pudesse ser analisada sua aplicação dentro da gestão jurídica executada nos escritórios de advocacia.
O conceito de governança corporativa, em linhas gerais, destaca a sua importância na condução da gestão, acarretando benefícios para quem as pratica. Para o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa – IBGC ela serve como sistema de gestão e monitoramento com o envolvimento das partes interessadas. No conceito de Oliveira (2007:9), modelo de gestão que aumenta a atratividade da empresa no mercado, agregando valor e mitigando riscos.
Contudo, vale ressaltar que a temática ora levantada dentro do cenário da gestão jurídica nos escritórios de advocacia ainda é tênue, até porque os advogados, na sua maioria, são qualificados para executar atividades tecno-jurídicas.
A nossa formação acadêmica não nos prepara para a gestão dos escritórios. Essa é obtida por alguns que possuem interesse no tema ao finalizar o curso de bacharelado. No entanto, o mercado atual, extremamente competitivo, faz com que o advogado busque esse aprimoramento. Foi com este propósito, de adoção de ferramentas mais efetivas e eficazes para a gestão jurídica, que desenvolvemos esse estudo.
Não há na literatura variedade de materiais específicos disponíveis e direcionados para o emprego das práticas de governança corporativa na gestão dos escritórios de advocacia, o que levou ao desenvolvimento do estudo mediante pesquisas bibliográficas sob os seguintes enfoques:
1 – O que é governança?
2 – Qual a sua história?
3 – Quando foi abordada no Brasil?
4 – Como ela foi utilizada na gestão empresarial?
5 – Como ela pode ser inserida na gestão jurídica dos escritórios de advocacia?
6 – Quais as boas práticas que poderão ser adotadas pelos escritórios de advocacia?
7 – Ela pode ser aplicada nos escritórios independentemente do seu porte?
Com base nos questionamentos acima e diante do conhecimento de que a grande maioria dos escritórios de advocacia não possuem, de maneira formal, a adoção na sua gestão das práticas de governança corporativa, é que se deu a construção do tema, tomando por base dados do IBGC e principalmente as boas práticas previstas no Código de Melhores Práticas de Governança Corporativa, 5ª Edição, 2018.
Etimologia e conceitos
Definição de Governança
Classe gramatical: substantivo feminino Separação silábica: go-ver-nan-ça Plural: governanças Etimologia (origem da palavra governança). Govern/ar/ + ança. Governança deriva da palavra governo, mas possui diversas intepretações e significados, a depender da ótica que for analisada. Essa diversidade de conceitos e aplicabilidade de acordo com a área em que for adotada pode gerar dificuldades na sua compreensão. Ao tempo em que a utilização de vários adjetivos para qualificar a governança facilita o seu entendimento, pode vir a banalizar o seu significado (PETERS, 2012). O termo pode ser utilizado em diversas áreas, mas inicialmente teve uma maior amplitude dentro da seara corporativa privada, com posterior incorporação no setor público.
A sua aplicação no setor privado, ganhou força depois da falência de grandes empresas nos Estados Unidos, como a Enron e, posteriormente, o Banco Lehmann Brothers. Já no setor público o conceito de governança foi introduzido com as reformas gerenciais implementadas nas décadas de 70-90 (PETERS, 2012). A concepção da governança corporativa, segundo o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa – IBGP se traduz em: Governança corporativa é o sistema pelo qual as empresas e demais organizações são dirigidas, monitoradas e incentivadas, envolvendo os relacionamentos entre sócios, conselho de administração, diretoria, órgãos de fiscalização e controle e demais partes interessadas.
Segundo o Banco Mundial, em seu documento Governance and Development, de 1992: Governança é a maneira pela qual o poder é exercido na administração dos recursos sociais e econômicos de um país visando o desenvolvimento, e a capacidade dos governos de planejar, formular e programar políticas e cumprir funções. Para a Comissão de Valores Monetários (CVM), por meio das recomendações que publicou em junho de 2002, a governança corporativa é compreendida como:
Governança corporativa é o conjunto de práticas que tem por finalidade otimizar o desempenho de uma companhia ao proteger todas as partes interessadas, tais como investidores, empregados e credores, facilitando o acesso ao capital. A análise das práticas de governança corporativa aplicada ao mercado de capitais envolve, principalmente: transparência, equidade de tratamento dos acionistas e prestação de contas (CVM, Cartilha de Governança Corporativa, 2002).
Via de regra os conceitos evidenciam a evolução que as empresas privadas e pública vêm passando e os ajustes e adequações verificados na Governança objetivando agregar valores, tornando-as mais eficazes e contribuindo para a sua solidez.
História da governança
Existem na literatura diversos marcos que registram bases, conceitos e práticas relativas à governança corporativa, bem como situações que contribuíram à adoção de medidas visando o seu aperfeiçoamento.
Dentre os que se destacaram como percursores na construção da governança corporativa temos:
1 – O ativismo de Robert Monks, que mudou significativamente o rumo da governança corporativa nos Estados Unidos, a partir da segunda metade dos anos 80.
Com a alteração da estrutura do poder nas empresas, Monks, em face da sua experiência no mundo corporativo, percebeu distorções na forma como as empresas eram geridas, na medida em que os seus objetivos e destinos eram traçados pelos gestores e administradores que tomavam decisões em benefícios próprios, e não pelos proprietários e acionistas. Identificou, também, que os acionistas tinham por fim, tão somente, a obtenção de resultados, seja a que custo for, e sem qualquer esforço, adotando posição passiva e perdendo espaço para os gestores.
Ele acreditava que as empresas deveriam ter medidas de monitoramento eficazes, a fim de gerar valor e aumentar o lucro.
Com isso a sua posição era no sentido de que os proprietários e acionistas tomassem a rédea da situação, estabelecendo controles mais eficazes, a fim de proporcionar maiores e melhores resultados e evitar que os administradores estabelecessem os seus ganhos de acordo com a posição que ocupasse.
Segundo Rossetti e Andrade (2011, p.159), Monk tinha por fim “levar o acionista para os conselhos das corporações fazendo-o participante dos processos decisórios”.
Ele contribuiu para a mudança de comportamento dos acionistas e o aperfeiçoamento necessário dos processos de governança nas empresas, por meio da transparência.
2 – O Relatório Cadbury, publicado em dezembro de 1992, foi considerado, à época, pioneiro por conta das propostas inovadoras expostas no relatório.
Em 1991 o Banco da Inglaterra criou um comitê para elaborar um Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa. Constituído por representantes da Bolsa de Valores de Londres e do Instituto de Contadores Certificados, sob coordenação de Adrian Cadbury, elaborou o código de princípios empresariais. Ele foi conselheiro do Bando da Inglaterra, fundou a Pro Ned e publicou o livro The Company Director. Cadbury foi “um coordenador visionário que promoveu energicamente as recomendações de um relatório submetido a consulta pública.” (ROSSETTI, 2011:166).
Conforme Rossetti (2011), o Relatório Cadbury baseia-se em cinco termos focados em dois princípios – a prestação de contas responsável e a transparência:
As responsabilidades de conselheiros e executivos na análise e apresentação de informações para os acionistas e outras partes interessadas sobre o desempenho da companhia;
A frequência, a clareza e a forma como as informações contábeis e seus complementos devem ser apresentadas;
A constituição e o papel dos conselhos;
As responsabilidades dos auditores e a extensão de suas atribuições;
As ligações entre acionistas, conselhos e auditores.
O relatório exerceu um papel preponderante e direcionou as gestões de diversas empresas no Reino Unido e contribuiu para que outros países criassem os seus códigos.
Rossetti (2011) pontua quatro principais temas tratados no documento:
O conselho de administração deve reunir-se regularmente, manter controle sobre a companhia e monitorar sua direção executiva;
Os conselheiros não executivos exercerão julgamentos independentes sobre a estratégia, o desempenho, a destinação dos recursos e os padrões de conduta da companhia;
É admitida a existência de conselheiros que exercem cargos de direção;
É dever do conselho apresentar uma avaliação equilibrada e compreensível da situação da companhia.
3 – Os Princípios da OCDE – De acordo com as informações expostas no Site do Ministério da Economia: “A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE, com sede em Paris, França, é uma organização internacional composta por 35 países membros, que reúne as economias mais avançadas do mundo, bem como alguns países emergentes como a Coreia do Sul, o Chile, o México e a Turquia. A Organização foi fundada em 14 de dezembro de 1961, sucedendo a Organização para a Cooperação Econômica Europeia, criada em 16 de abril de 1948. Desde 1º de junho de 2006, seu Secretário-Geral é o mexicano José Ángel Gurría Treviño. Por meio da OCDE, representantes dos países membros se reúnem para trocar informações e alinhar políticas com o objetivo de potencializar seu crescimento econômico e colaborar com o desenvolvimento de todos os demais países membros. Por meio dessa cooperação, a OCDE tornou-se uma fonte importante de soluções para políticas públicas em um mundo globalizado”(https://www.gov.br/fazenda/pt-br/assuntos/atuacaointernacional/cooperacao-internacional/ocde).
Os princípios da OCDE que contribuíram para a evolução da GC decorreram da ligação entre os objetivos de desenvolvimento dos mercados, das corporações e das nações, que se fortalecem por melhores práticas de governança corporativa, levando em consideração a mobilização dos mercados de capitais, o agigantamento dos negócios corporativos e o desenvolvimento econômico das nações. A criação de uma organização multilateral pelos 30 países industrializados mais desenvolvidos do mundo é o terceiro marco da história da governança corporativa. É um dos mais recentes eventos, abrangendo vários aspectos, princípios da boa governança e definição de códigos de melhores práticas. A OCDE entende essas práticas como “elos entre objetivos de desenvolvimento dos mercados, das corporações e das nações” (ROSSETTI; ANDRADE, 2011, p.169). Conforme Rossetti (2011, p.171), a missão da OCDE era “desenvolver princípios que ajudassem os países-membros em seus esforços de avaliação e aperfeiçoamento institucional da boa governança corporativa”. Publicados pela primeira vez em 1999, os Princípios tornaram-se uma referência internacional no governo das sociedades. Foram adotados como uma das Normas Fundamentais do Conselho de Estabilidade Financeira para Sistemas Sólidos. (https://www.oecd.org/) “De 1999 a 2002, todavia, a percepção sobre o gigantismo e o poder das corporações e, principalmente, sobre o efeito nefasto das mega fraudes que então ocorreram, levaram a maior conscientização sobre a importância da boa governança corporativa. De tema de interesse restrito de stakeholders, focados em seus direitos e na maximização de seu retorno, evoluiu para condição essencial da segurança e da estabilidade dos mercados e para fator propulsor do desenvolvimento econômico dos países.” (ROSSETTI, 2011:172)
Os Princípios de Governo das Sociedades do G20 e da OCDE auxilia os decisores políticos a avaliar e melhorar o enquadramento jurídico, regulamentar e institucional para o governo das sociedades. Também oferecem orientações para as bolsas de valores, investidores, sociedades e outros com um papel no processo de desenvolvimento de um bom governo das sociedades. (https://www.oecd.org/) 4 – A Lei Sarbanes –Oxley A Lei Sarbanes-Oxley (SOX) foi sancionada pelo governo dos Estados Unidos em julho de 2002 como resposta a diversos escândalos que ocorreram em grandes corporações americanas por meio de fraudes contábeis que desafiaram os controles do sistema acionário americano. Foi uma resposta legislativa para intervenção no mercado, mas que teve objetivo de restaurar a confiança perdida pelos investidores e evitar que a crise atingisse proporções ainda maiores.
Segundo Rossetti (2011), a lei Sarbanes-Oxley foi o quarto marco da governança corporativa. Seu objetivo era regulamentar a vida corporativa conforme as práticas de governança.
O autor explica que seus princípios são os mesmos do ativismo pioneiro, a saber:
Compliance – conformidade legal;
Accountability – prestação de contas responsável;
Disclosure – transparência;
Fairness – senso de justiça.
A promulgação dessa Lei, que extrapolou e influenciou todo o Mundo (pois não ficou restrita, apenas aos Estados Unidos), trouxe mudança de comportamentos e inseriu maiores responsabilidades aos executivos das empresas.
“Conselheiros, executivos, investidores, contadores, auditores, advogados e analistas – comportem-se. Os escândalos, as fraudes contábeis e os conflitos com analistas de investimentos trouxeram novas leis e regulamentos que disciplinam o comportamento no mundo corporativo.” (HASSETT e MAHONEY apud SILVA, 2012, p. 239).
No Brasil foi a partir dos idos dos anos 90 que o tema começou a ser abordado. Em 1995 foi fundado o Instituto Brasileiro de Conselheiros de Administração – IBCA, posteriormente sendo denominado como Instituto Brasileiro de Governança Corporativa – IBGC, organização que é referência em governança corporativa.
Em 1998 o tema ganha força em face a ocorrência de conflitos de interesses entre acionistas minoritários e os controladores, o que acarretou na alteração da política dos fundos de investimentos que atuavam no Brasil.
Em 1999 há a publicação pelo IBGC do primeiro Código Brasileiro das Melhores Práticas de Governança Corporativa.
Em 2000, “um estudo conduzido pelo Banco Mundial em parceria com a consultoria McKinsey ganhou ampla repercussão nos meios empresariais locais ao indicar que os investidores estariam dispostos a pagar um prêmio substancial por ações de empresas com maior transparência e prestação de contas.” (Silveira, Alexandre Di Miceli, 2010, p. 179).
No mesmo ano houve, também, o lançamento pela Bovespa dos segmentos especiais de listagem: Nível 1, Nível 2 e Novo Mercado. Nas palavras do Professor Alexandre: “Os segmentos, em ordem crescente de exigência em relação às práticas de governança, eram voluntários e visavam segmentar as empresas em função do nível de adesão às boas práticas.” (Silveira, Alexandre Di Miceli, 2010, p. 179).
Em 31 de outubro de 2001 houve alterações na Lei das S.A., com a promulgação da Lei 10.303, que fortaleceu o mercado de capitais.
Em 2002 a CVM editou sua cartilha de “Recomendações da CVM sobre a Governança Corporativa.”
Governança como ferramenta da gestão empresarial
Como citado neste trabalho, a evolução dos conceitos e práticas da governança corporativa foram direcionadas para que as empresas, de capital aberto, tivessem regramentos como forma de monitorar e controlar as atividades, decisões e condutas dos executivos, a fim de preservar os interesses dos proprietários e acionistas, bem como a perpetuação sólida das corporações.
As bases construtivas da GC se apresentam desde as divergências de interesses observadas por Robert Monks, conceituada como conflitos de agências, o Relatório Cadbury, resultado dos estudos e avaliação do Comitê criado pelo Banco da Inglaterra, dos princípios emitidos pela OCDE e pela promulgação da Lei Sarbanes –Oxley. Todas refletiam diretamente nas ações, procedimentos, controle, regramentos, princípios éticos voltados para equacionar a relação entre proprietários, acionistas, executivos, por meio dos conselhos de administração, auditorias fiscais e contábeis independentes. Contudo, as regras e princípios que norteiam a GC não ficaram restritos e nem poderiam às empresas de capital aberto. Eles foram recepcionados para as empresas de capital fechado, pois são utilizadas como ferramenta de gestão, que agregam valor. É necessário ressaltar que a adoção, tão somente, das regras da GC não é suficiente como único meio de gestão. Elas devem ser aplicadas e utilizadas conjuntamente com as demais para melhoria dos processos da empresa, e por fim atingir os resultados pretendidos. A gestão empresarial, via de regra, é um conjunto de estratégias utilizadas nos recursos das empresas para o crescimento do negócio e na conquista constante de melhores processos e resultados. Os recursos das empresas são conceituados por (Grant, 2005) como tangíveis, que são os financeiros (capacidade de investimento) e os físicos (edificações, localização, etc.); intangíveis, tais como a marca da empresa, reputação; e humanos, extremamente valioso.
Uma boa gestão empresarial se faz necessária para a sobrevivência da empresa, em face do mercado extremamente competitivo que vivenciamos, nas mais diversas áreas.
Para tanto, quanto melhor aplicadas as ferramentas que auxiliam na gestão da empresa melhor estará posicionada no mercado. A governança corporativa traz vantagem competitiva, pois se apresenta como diferencial, como posicionamento estratégico, assegurando à empresa uma posição clara e sólida em relação aos seus concorrentes.
Isso porque as boas práticas de GC, segundo Oliveira (2007), estão apoiadas sobre três pilares de sustentação: transparência, prestação de contas e equidade.
Os princípios acima relacionados são o sustentáculo de toda e qualquer empresa, seja ela de capital aberto ou fechado. A sua adoção e observância, cumulada com o cumprimento da legislação pertinente certamente gerarão valor e resultados positivos para a empresa e constituirá valiosa ferramenta de competitividade. 1 – Transparência: Disponibilizar informações para as partes interessadas, inclusive com o compartilhamento da tomada de decisões com diversos públicos de interesse, conduta que facilita a gestão dos riscos e oportunidades. A divulgação e comunicação das informações deve, de fato, refletir a realidade da empresa, tanto que para ser efetiva e eficaz deve divulgar os seus resultados, por meio dos indicadores, inclusive os que forem negativos, ou que não tenham atingido as metas previamente estabelecidas. Segundo o IBGC a transparência:
“Consiste no desejo de disponibilizar para as partes interessadas as informações que sejam de seu interesse e não apenas aquelas impostas por disposições de leis ou regulamentos. Não deve restringir-se ao desempenho econômico-financeiro, contemplando também os demais fatores (inclusive intangíveis) que norteiam a ação gerencial e que condizem à preservação e à otimização do valor da organização.” 2 – Equidade: Tratamento isonômico que a empresa deve dispor para todos os seus públicos, independentemente da posição e relevância que detenha na organização. O IBGC assim conceitua a equidade: “Caracteriza-se pelo tratamento justo e isonômico de todos os sócios e demais partes interessadas (stakeholders), levando em consideração seus direitos, deveres, necessidades, interesses e expectativas.” 3 – Prestação de contas: Também conhecida por Accountability. Em regra, a concepção por si só é satisfativa, pois nada mais é do que a obrigação de prestar contas, informar aos interessados os resultados decorrentes das ações implementadas. Para o IBGC a prestação de contas: “Os agentes de governança devem prestar contas de sua atuação de modo claro, conciso, compreensível e tempestivo, assumindo integralmente as consequências de seus atos e omissões e atuando com diligência e responsabilidade no âmbito dos seus papeis.”
4 – Obediência às Leis (Compliance): As empresas devem agir em conformidade com as respectivas normas reguladoras e legislações, ou seja, é o respeito e observância às normas relativas ao negócio em que está inserida, tanto interna como externa. Constitui um conjunto de regras e processos que buscam entender os riscos a que uma organização está submetida e suas implicações possíveis, além de formas de mitigá-los.
Fortalece a imagem da empresa no que tange à seriedade e ao compromisso com que conduz a sua gestão. O IBGC assim entende o Compliance: “O sistema de compliance deve ser compreendido como um guia de princípios e valores que compõem a identidade da organização, com foco em sua longevidade”.
Sendo assim, a adoção pela gestão das boas práticas da governança corporativa, independentemente do ramo da empresa e do seu porte, mostra-se necessária na medida em que do ponto de vista social protege os interesses de todos. Se ausente na empresa e na ocorrência de falhas na gestão, possivelmente trará impactos de ordem econômica, financeira, social e ambiental.
Governança corporativa na gestão dos escritórios de advocacia
Conforme já exposto, a adoção das boas práticas da GC não estão restritas às empresas de capital aberto, motivo pelo qual se mostra salutar que ela também seja inserida nos ambientes dos escritórios de advocacia, mais precisamente pela gestão, o que certamente gerará valor no mercado jurídico, com ganho de maior credibilidade.
A transformação há muito ocorrida no perfil do escritório de advocacia, que em face do seu crescimento passou a constituir sociedades, trouxe a necessidade de adoção da prática de gestão empresarial com foco na obtenção dos resultados, melhoria na prestação dos serviços e sua valorização.
Dentro desse contexto utilizar os conceitos e princípios da governança corporativa na gestão jurídica trará ganhos e benefícios, uma vez que mitigará riscos, evitará e resolverá conflitos, pois atenderá e preservará os interesses de todos, dentre eles sócios, advogados, estagiários, empregados, correspondentes/parceiros, clientes e a sociedade.
A transparência, equidade, prestação de contas e o Compliance, como princípios que norteiam a GC, devem e podem ser aplicados na gestão do escritório de advocacia, pois são basilares para uma boa administração e demonstram o nível de amadurecimento e profissionalização.
O modelo de gestão que inclui a governança corporativa busca obter melhores decisões e práticas empresariais, promove o equilíbrio das partes interessadas, preserva valores e sustentabilidade, apresentam desempenho superior, em face da boa elaboração do gerenciamento estratégico, acompanhamentos dos resultados, monitoramento da gestão e da avaliação de riscos.
Com o fim de incluir e implementar na gestão jurídica a prática da governança corporativa, o primeiro passo a ser realizado é a identificação dos stakeholders do escritório, pois como já suscitado, os relacionamentos e os respectivos conflitos de interesses existentes entre eles, é um dos pontos que precisam ser mitigados por meio da aplicabilidade da GC como ferramenta de gestão.
A palavra stakeholders surgiu da união de duas outras palavras, stake (interesse) holders (aqueles que possuem). Segundo Robert Edward Freeman, filósofo que criou o termo stakeholders em 1963, o “grupos que sem seu apoio a organização deixaria de existir”.
Dessa forma, os stakeholders são pessoas que possuem algum tipo de interesse nos processos e resultados da empresa.
No escritório de advocacia podemos relacionar os stakeholders como sendo os proprietários, gestores, advogados, colaboradores, estagiários, correspondentes, clientes, concorrentes e sociedade.
A importância na identificação dos stakeholders servirá para definir papéis, dentre outros princípios estabelecidos na metodologia dos 8 Ps que visa auxiliar na aplicação efetiva das melhores práticas de governança corporativa nas empresas. Essa metodologia foi desenvolvida pelo economista e professor José Paschoal Rossetti para o livro “Governança Corporativa em Empresas Familiares”, lançado pelo IBGC, no Congresso de Governança Corporativa, realizado em São Paulo. Os 8 Ps da governança corporativa são:
- Propriedade;
- Princípios;
- Propósitos;
- Papéis;
- Poder;
- Práticas;
- Pessoas;
- Perenidade.
Segundo Rossetti:
“Estas oito dimensões podem sintetizar o ambiente, o sistema, os pontos fortes, as fragilidades e as situações críticas – enfim, os “hiatos” de boas práticas de governança corporativa – independentemente da tipologia das empresas – privadas ou estatais; abertas ou fechadas; familiares ou de estrutura societária consorciada não familiar; sociedades anônimas ou limitadas”.
1 – Propriedade: neste ponto há a necessidade de efetuar um planejamento sucessório, com regras definidas, a fim de afastar conflitos de interesses;
2 – Princípios: os valores dos proprietários do escritório devem ser transmitidos para todos os seus integrantes. Cumulado com eles há a base ética da Governança Corporativa (transparência, equidade, prestação de contas e o Compliance) que também deverá ser adotada.
3 – Propósitos: formalização de um planejamento estratégico alinhado com a missão e visão do escritório, a fim de alcançar os objetivos de curto, médio e longo prazo.
4 – Papéis: clareza na definição de papéis.
5 – Poder: o líder deve ser legitimado e reconhecido pelo público interno.
6 – Práticas: visa integrar os processos de gestão adotados pelo escritório, para que a estratégia ocorra de forma unificada, transparente, de acordo com as leis e regramentos internos, minimizando riscos. Há a necessidade de formalização das condutas, demonstrando que as decisões e condutas que são adotadas estão fundamentadas em dados.
7 – Pessoas: gestão de pessoas com políticas de desenvolvimento, política salarial e de benefícios, com mapeamento e melhorias do clima organizacional.
8 – Perenidade: ter por objetivo se manter ativo e com crescimento sustentável.
Com o diagnóstico inicial realizado por meio da aplicação da metodologia dos 8 Os, o passo seguinte será adotar alguns dos instrumentos de governança, tomando por base o Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa do IBGC – 5ª Edição.
Dentre as premissas do Código ressaltamos (pois relevantes para entender a motivação para adotá-lo), os seguintes pontos:
1 – Tomada de decisão:
“Na tomada de decisão, deve-se levar em conta simultaneamente o grau de exposição ao risco, que deve ser definido pela organização, e a prudência necessária, evitando-se os extremos tanto de um quanto de outro.
As principais decisões devem ser adequadamente fundamentadas, registradas e passíveis de verificação pelas devidas partes interessadas.
Os critérios éticos fundamentam-se em princípios e valores que, por sua vez, constituem elementos da própria identidade da organização. A clareza sobre essa identidade é fundamental para que os agentes de governança possam exercer adequadamente seus papéis, alinhando a estratégia traçada e a ética”.
2 – Identidade da organização e deliberação ética:
“A identidade da organização pode ser entendida como uma combinação entre sua razão de ser aonde quer chegar, o que é importante para ela e a forma como são tomadas as decisões.
Uma deliberação ética é aquela que considera, em todo processo de tomada de decisão, tanto a identidade da organização quanto os impactos das decisões sobre o conjunto de suas partes interessadas, a sociedade em geral e o meio ambiente, visando ao bem comum.
A prática constante da deliberação ética consolida a identidade, a coerência entre o pensar, o falar e o agir e, consequentemente, a reputação da organização, com reflexos sobre a sua cultura.
A boa reputação contribui para redução dos custos tanto de transação quanto de capital, favorecendo a preservação e criação de valor econômico pela organização.
A reflexão sobre a identidade da organização é fundamental para se desenhar o sistema de governança da organização, incluindo a elaboração de um código de conduta sobre o qual se desenvolve o sistema de conformidade (compliance)”.
3 – Papel dos Agentes de Governança:
“Cada agente de governança, antes de assumir um ou mais papéis no sistema de governança, deve observar cuidadosamente os direitos, os deveres e as responsabilidades a ele associados, de modo a atuar com independência, diligência e proatividade. O mesmo cuidado deve ser observado tanto por quem indica quanto por quem elege os agentes.
É fundamental que os agentes de governança estabeleçam estratégias de comunicação e programas de treinamento com a finalidade de disseminar, entre as partes interessadas, políticas, procedimentos, normas e práticas baseadas no código de conduta da organização. A essas medidas devem estar associados processos e indicadores formais, a fim de viabilizar o monitoramento dos padrões de conduta adotados, concorrendo para um efetivo engajamento da alta administração nos mecanismos de conformidade da organização e possibilitando que eventuais desvios possam ser evitados ou proativamente identificados, corrigidos e, eventualmente, punidos”.
Postos os conceitos acima para bem entender as etapas de processamento para a adoção e aplicabilidade da Governança no escritório de advocacia e, ainda, tomando por base as orientações estabelecidas no Código acima referido, elegeremos quais as práticas que deverão ser admitidas. Elas, no entanto, servirão de base para reflexão, pois conforme ressaltado, no Código “As motivações para a adoção ou não de determinada prática devem estar devidamente claras e fundamentadas pelos tomadores de decisão, de tal modo que permitam avaliação por suas partes interessadas”.
Outra observação de extrema importância que consta no Código e que não poderia deixar de enfatizar é que sem a ética as boas práticas não atingirão os resultados pretendidos, nos termos ali expostos:
“Convém enfatizar a importância dos princípios básicos da boa governança corporativa, pois estão por trás dos fundamentos e das práticas deste Código e aplicam-se a qualquer tipo de organização, independentemente de porte, natureza jurídica ou tipo de controle. Se as melhores práticas podem não ser aplicáveis a todos os casos, os princípios o são, formando o alicerce sobre o qual se desenvolve a boa governança.
Sem a presença da ética, no entanto, o conjunto das boas práticas de governança pode não ser suficiente para evitar os desvios comportamentais e suas consequências danosas à empresa, a seus sócios e à sociedade em geral. A ética se consolida na aplicação diária de valores e princípios claros, coerentemente exercitados por sócios, administradores, executivos, funcionários e terceiros.
A atuação ética dos indivíduos permite que as melhores práticas conduzam as organizações à boa governança, reduzindo suas chances de fracasso e aumentando as de sucesso”.
Práticas da governança corporativa:
1 – Conselho Consultivo
Uma das práticas sugeridas é a constituição de um Conselho Consultivo, composto de diversos membros internos, desde sócio, advogados, funcionários da parte administrativa e estagiários. Poderão, ainda, compor o referido Conselho empresários que possam agregar conhecimento, trazendo as suas experiências para o contexto do escritório, auxiliando no seu planejamento com o fim de crescimento e perenidade contínua e sustentável.
O Conselho Consultivo não tem poder decisório, mas por meio da análise dos dados que terão acesso poderão sugerir mudanças, efetuar críticas e recomendações para que o escritório atinja os objetivos traçados, e por consequência cresça e se posicione no mercado com credibilidade.
2 – Regimento Interno
Outra prática recomendada é a criação de um Regimento Interno para definir as regras de funcionamento do Conselho Consultivo, deixando claras as responsabilidades, atribuições e as condutas a serem adotadas em situações de conflito de interesses, por meio do qual fortalece as práticas da governança.
3 – Diretoria
Órgão que poderá ser formado por um dos Sócios e um Administrador que será responsável pela gestão do escritório, executando as estratégias e diretrizes gerais aprovadas em face das recomendações efetuadas pelo Conselho Consultivo.
É de extrema relevância a adoção desse órgão, pois ele é responsável pela condução da gestão para atingir os resultados pretendidos pelo escritório.
Os fundamentos para as atribuições previstas no Código para a Diretoria são os seguintes:
“Este órgão e responsável pela elaboração e implementação de todos os processos operacionais e financeiros, inclusive os relacionados a gestão de riscos e de comunicação com o mercado e demais partes interessadas.
Cabe à diretoria assegurar que a organização esteja em total conformidade com os dispositivos legais e demais políticas internas a que está submetida. Em caso de existência de subsidiárias, e de sua responsabilidade trabalhar para que as demais empresas do grupo estejam igualmente operando em conformidade.
O monitoramento, o reporte e a correção de eventuais desvios, sejam eles decorrentes de descumprimento da legislação e/ou regulamentação interna e externa, gerenciamento de riscos, auditoria ou controles internos, também são parte das responsabilidades da diretoria.
Na qualidade de administradores, os diretores possuem deveres fiduciários em relação à organização e prestam contas de suas ações e omissões à própria organização, ao conselho de administração e às partes interessadas”.
4 – Código de Conduta
A criação do código de conduta serve para reforçar e promover a cultura de integridade do escritório, garantindo a transparência, respeito às leis, normas, regulamentos, considerações de ordem social e ambiental, o que aumenta o nível de confiança interno e externo, e por consequência agrega valor à sua imagem e reputação, gerando mais credibilidade.
Destacamos a seguir algumas das práticas elencadas no Código das Melhores Práticas da GC, a fim de estabelecer pontos que deverão ser observados na confecção do Código de Conduta:
a – O código de conduta deve ser elaborado segundo os valores e princípios éticos da organização. Ele deve fomentar a transparência, disciplinar as relações internas e externas da organização, administrar conflitos de interesses, proteger o patrimônio físico e intelectual e consolidar as boas práticas de governança corporativa. Deve complementar as obrigações legais e regulamentares, para que considerações éticas e relativas à identidade e à cultura organizacionais influenciem a gestão. Princípios éticos devem fundamentar a negociação de contratos, acordos, o estatuto/contrato social, bem como as políticas que orientam a diretoria.
b – Cada organização deve contar com seu próprio código de conduta, que deve refletir sua identidade e cultura. O código de conduta aplica-se a administradores, sócios, colaboradores, fornecedores e demais partes interessadas e abrange, ainda, o relacionamento entre elas. Ele deve expressar o compromisso da organização, de seus conselheiros, diretores, sócios, funcionários, fornecedores e partes interessadas com a adoção de padrões adequados de conduta.
c – O código de conduta deve também estabelecer um valor máximo até o qual administradores e funcionários possam aceitar bens ou serviços de terceiros de forma gratuita ou favorecida.
d – A diretoria deve liderar o processo de elaboração do código de conduta, segundo princípios e políticas definidos pelo conselho de administração. Esse processo deve contar com a participação de representantes das partes interessadas. Cabe ao conselho de administração a aprovação da versão final do código de conduta. A participação das partes interessadas no processo de elaboração do código de conduta contribui para sua aceitação e legitimidade.
e – A Diretoria deve garantir efetividade ao código de conduta, mediante divulgação, leitura, compreensão, entendimento e treinamento, em todos os níveis da organização, de todos aqueles que devem observá-lo (administradores, membros do conselho fiscal e dos comitês, colaboradores, fornecedores e prestadores de serviços).
f – O código de conduta deve ser divulgado no website da organização, em local de fácil acesso. Programas de educação continuada para todos os níveis da organização são uma ferramenta adequada para garantir a efetividade do código de conduta.
5 – Órgão de fiscalização e controle – Auditoria interna
Ela pode ser própria ou terceirizada, mas a sua prática fiscaliza e monitora o cumprimento efetivo dos processos estabelecidos pelo escritório.
A seguir citamos algumas das práticas estabelecidas para a auditoria interna, no Código das Melhores Práticas de GC.
a – O trabalho da auditoria interna deve estar alinhado com a estratégia da organização e baseado na matriz de riscos.
b – Cabe à auditoria interna atuar proativamente no monitoramento da conformidade dos agentes de governança às normas aplicáveis e na recomendação do aperfeiçoamento de controles, regras e procedimentos, em consonância com as melhores práticas de mercado.
6 – Gerenciamento de riscos, controles internos e conformidade (compliance)
Os riscos a que toda empresa está sujeita, inclusive os escritórios de advocacia, devem ser gerenciados para que a tomada de decisão seja assertiva. Eles decorrem das influências internas e externas a que toda empresa está sujeita, gerando incertezas se atingirão os resultados pretendidos.
Eles podem ser operacionais, financeiros, regulatórios (regramentos da OAB), estratégico (ex.: concorrência), tecnológica, sistêmica, social e ambiental (a depender do nicho de mercado).
Para mitigar os riscos todos os integrantes do escritório, inclusive pessoas externas que possuem interesses, ou seja, os stakeholders anteriormente definidos, devem agir em conformidade com as normas internas, leis e dispositivos regulatórios a que estejam submetidos.
O Decreto 8.420/2015, que regulamenta a Lei 12.846/2013 (Lei Anticorrupção), define programa de compliance como:
“conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta, políticas e diretrizes com objetivo de detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a administração pública, nacional ou estrangeira”.
Em pesquisa efetuada encontramos critérios sugeridos pelos advogados Doutores Rodrigo Pironti e Éryta Karl acerca da implementação do sistema de compliance em escritórios de advocacia que entendemos práticos e extremamente didáticos, motivo pelo qual iremos reproduzir alguns pontos a seguir para elucidar a sua efetivação.
“Com o apoio da administração do escritório[5], o primeiro passo para conhecer os riscos do negócio é a realização da análise de maturidade da banca e aplicação de questionários de integridade, para que daí surjam elementos para o mapeamento de riscos (risk assessment). A identificação desses riscos deve preceder a implantação do programa de integridade porque é nessa fase que “players e colaboradores da empresa, de áreas diversas, com conhecimentos, percepções e opiniões diferentes, serão ouvidos e irão colaborar com informações que servirão de base para a identificação das necessidades de compliance da empresa”[6].
Na prática, portanto, a identificação de riscos se dará através do entendimento do contexto do escritório, análise de documentos internos, aspectos regulatórios e entrevistas realizadas, dentre outras metodologias próprias.
A partir da identificação dos eventos de riscos, com suas respectivas causas e consequências, níveis de probabilidade e impacto, é importante definir qual resposta será dada a cada risco, isto é, aceitá-lo, mitigá-lo, transferi-lo ou rejeitá-lo[7]. Para cada risco, então, será elaborado plano de ação para atendimento da resposta ao risco, ou seja, definir-se-á quais os mecanismos serão utilizados para tratar cada evento de risco[8].
Com a definição da prioridade a ser observada no desenvolvimento e aplicação dos planos de ação para atendimento à resposta de cada risco, os escritórios estarão munidos de dados e informações para efetivamente darem início à implantação do programa de ética e integridade.
Conhecendo os riscos aos quais os escritórios estão expostos, torna-se mais fácil a elaboração e revisão das normativas internas, tais como código de ética e conduta, políticas e procedimentos padrão (consequências, relacionamento com clientes, brindes e hospitalidade, due diligence de integridade, relacionamento com o setor público e conselhos de fiscalização profissional, dentre outros).
(…)
Para os escritórios que atuam por intermédio da contratação de correspondentes, por exemplo, é altamente recomendada a elaboração de política de contratação e relacionamento com correspondentes — afinal de contas, o correspondente atuará em nome do próprio cliente, usualmente com substabelecimentos dos advogados do próprio escritório, motivo pelo qual se faz necessária a definição de responsabilidades e limites desde a contratação até a prestação do serviço contratado.
Há outros documentos que podem auxiliar os escritórios na mitigação de riscos, a exemplo de termos de confidencialidade. Ainda que os advogados tenham o dever legal de sigilo, muitos escritórios de advocacia possuem em seus quadros estagiários e colaboradores de áreas administrativas e/ou financeiras, os quais não são abrangidos pela obrigação legal de sigilo, o que justifica a adesão desses ao termo de confidencialidade do escritório.
Além de ser necessário que os documentos sejam aplicáveis à rotina do escritório, para se garantir a efetividade do programa de integridade, recomenda-se que os sócios, advogados e demais colaboradores sejam capacitados quanto ao conteúdo dessa documentação[11] e que haja previsão e aplicação de medidas de responsabilização ou medidas disciplinares caso qualquer normativa interna seja infringida[12].
Cada implantação do programa em escritórios de advocacia é diversa e é tecnicamente muito difícil criar uma espécie de “receita” para a implantação de programas de integridade em bancas de advogados. Aspectos como área de atuação, quantidade de funcionários e frequência de contato com o poder público, por exemplo, devem ser levados em consideração quando da estruturação do programa de integridade, visando a torná-lo adequado e suficiente à mitigação dos riscos aos quais os escritórios estão expostos.
Nesse sentido, a depender do porte da banca e ramo de atuação, outros mecanismos de mitigação de riscos devem ser desde o início estruturados, a exemplo da implantação de canal de comunicação e denúncias. Essa definição de quais mecanismos serão adotados pelos escritórios para estruturação do programa de integridade será feita após o mapeamento de riscos, levando-se em consideração o contexto da organização e o apetite de risco estabelecido.
E como a gestão de riscos e a implantação de um programa de integridade não são uma atividade estanque, é preciso que continuamente os escritórios atualizem sua matriz de riscos (inerentes e residuais), visando aprimorar seus controles internos e mitigar as incertezas[13], e também monitorem seus programas para “garantir a efetividades e a melhoria contínua do sistema de compliance” [14].
Governança corporativa aplicada aos escritórios de advocacia de qualquer porte
As práticas acima relacionadas podem ser aplicadas a todo escritório de advocacia, independentemente ser de grande porte, médio ou pequeno.
É certo que aqueles de grande porte poderão, inclusive, se valer de práticas mais complexas, conforme estabelecidos no Código de Melhores Práticas de GC do IBGC, tais como a composição de um Conselho de Administração, os diversos Comitês de controle, contratação de auditores independentes, dentre outros.
Contudo, esse trabalho também visa demonstrar que as boas práticas poderão ser adaptadas e adequadas de acordo com a realidade e tamanho do escritório, pois os princípios básicos que norteiam a Governança são essenciais para quem deseja e quer que a sua atividade atue dentro da ética.
O porte do escritório e a realidade em que está inserido não podem ser desculpas para não aplicar a GC, até porque ela refletirá na imagem do escritório e com isso melhorará a sua competitividade, tornando-o mais eficiente, pois há controle dos processos internos, mitigação de riscos, adoção de tratamento igualitário para todos e agindo com transparência.
Dessa forma, para os escritórios de pequeno porte os princípios (transparência, equidade, prestação de contas e compliance) são premissas que devem adotar. Poderão, ainda, confeccionar um Código de Conduta e divulgar para todos os interessados (stakeholders), bem como para a sociedade por meio do site ou mídias sociais.
Deverão, ainda, implementar o planejamento estratégico para o seu crescimento e perpetuidade, além do que controles efetivos. Todos esses processos deverão ser mapeados, monitorados e medidos periódica e formalmente.
As etapas que não sejam realizadas internamente, em face de tempo, custo e falta de conhecimento, poderão ser contratadas externamente (como consultorias e auditorias).
Caso ainda não seja possível a contratação externa, estabelecer como uma das metas do escritório para o médio e longo prazo, como consequência natural do amadurecimento do plano de implementação da GC. Isso pode se justificar pelo fato de, as vezes, a estrutura do escritório ser pequena e, como tal, os profissionais ali inseridos estão focados no cumprimento das atividades jurídicas, além de não possuírem conhecimento para o ato.
Esse custo será absorvido na medida em que, implementada a GC, haverá mitigação de riscos, melhora na imagem no mercado, gestão mais produtiva e eficiente, com melhores resultados, aumentará a rentabilidade.
Como exemplo da importância do emprego da GC, citemos o habitual uso de correspondentes jurídicos (advogados parceiros atuando em nome do escritório), em que, diante de todo o cenário, deverão existir regramentos claros de governança, assegurando segurança jurídica a todos os envolvidos.
Como essa, há diversas situações que poderiam ser pontuadas igualmente para que reste demonstrada que todo escritório de advocacia poderá implementar e agir dentro das regras de governança corporativa, obtendo benefícios.
Conclusão
Diante dos levantamentos e estudos bibliográficos efetuados, não obstante as limitações de materiais específicos sobre o tema (a aplicabilidade da governança corporativa na gestão dos escritórios de advocacia), houve a possibilidade de concluir com muita clareza e assertividade que é sim viável o emprego dessa ferramenta de gestão para agregar valor, aprimorar a eficiência e eficácia nos processos, a fim de obter resultados satisfatórios, que resultam no crescimento sustentável do escritório, fortalecendo a sua solidez, com aumento da sua percepção no mercado, e por consequência com melhoria da sua imagem.
É um tema que precisa ser mais explorado, a fim de levar ao público interessado, que são os integrantes dos escritórios de advocacia, material para melhor compreensão e adaptações à sua realidade.
Os objetivos desse trabalho foram alcançados, na medida em que disponibilizou mecanismos que poderão ser adotados como boas práticas de governança corporativa dentro de qualquer estrutura organizacional de escritórios de advocacia.
Referências
MONKS, R. A. G; MINOW, N. 3ªEd. Corporate governance. Oxford: BlackWell, 2004.
IBGC-Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. Governança Corporativa. São Paulo: IBGC, 2012.
ROSSETTI, J.P; ANDRADE, A. Governança Corporativa: fundamentos, desenvolvimento e tendências.5ª Ed. São Paulo, Atlas 2011.
SILVA, Edson Cordeiro da Governança corporativa nas empresas: guia prático de orientação para acionistas, investidores, conselheiros de administração e fiscal, auditores, executivos, gestores, analistas de mercado e pesquisadores. São Paulo: Atlas, 2012.
OLIVEIRA, Djalma Pinho de Rebouças. Governança Corporativa na prática. São Paulo: Atlas, 2007. SILVEIRA, Alexandre Di Miceli da Governança Corporativa no Brasil e no mundo: teoria e prática. – Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.
Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa – 5ª Edição – IBGC – 2018
Site Ministério da Economia: https://www.gov.br/fazenda/pt-br/assuntos/atuacao-internacional/cooperacao-internacional/ocde
Os 8 Ps da Governança Corporativa. Disponível em: http://papodeconsultor.com/index.php/pessoas-e-lideranca/74-os-8-ps-da-governanca-corporativa-em-nove-empresas-brasileiras. Acesso em 01 de nov. de 2020.
Decreto nº 8.420, de 18 de março de 2015. Decreto regulamentador da Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013. Brasília, 18 mar. 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/decreto/D8420.htm
Artigos – Opinião – Aspectos de implantação de programas de integridade nos escritórios de advocacia – 26 de junho de 2019 – Por Rodrigo Pironti e Éryta Karl – Publicado pela Conjur – https://www.conjur.com.br/2019-jun-26/opiniao-programas-integridade-escritorios-advocacia. Acesso em 10 de nov. de 2020.
Lívia Alves Luz Bolognesi
MBA Gestão Jurídica – GJCUR001
Instituto de Pós-Graduação – IPOG
Curitiba, PR, 29 de novembro de 2020