O neologismo que intitula este texto não é desconhecido de quem atua na área jurídica, especialmente a trabalhista, e simboliza uma atuação patronal, via de regra, ilícita.
Por outro lado, com a recente reforma trabalhista (Leis nº 13.429/17 e 13.429/17 e, principalmente, as alterações na Lei nº 6.019/74 do Trabalho Temporário e da Terceirização), este tema merece séria reflexão já que, ao empregador menos avisado, com a ampliação do conceito laboral da possibilidade, agora, de “terceirização na área fim”, legalizou-se a “pejotização” – utilização da prestação de serviço de um trabalhador, na área fim da empresa, mediante a constituição, pelo mesmo, de uma Pessoa Jurídica (PJ).
Antes da “reforma trabalhista”, a jurisprudência laboral (Súmula 331/TST) já se encontrava pacificada quanto a impossibilidade, melhor dito, a ilegalidade e consequente nulidade, de uma relação jurídica trabalhista na atividade fim da empresa, com as características de uma “pejotização”, vale dizer: o empregado constituído sob as regras e proteções da CLT – celetista típico, era “convidado” a rescindir o pacto laboral existente, e abrir uma empresa (uma PJ) para minimizar os custos da empresa contratante permanecendo, contudo, a mesma situação fática anterior, mascarada, todavia, com a aparência de legalidade.
Agora, a despeito da posição contrária da mais alta corte trabalhista (o TST), o legislador ordinário permitiu, legitimou e legalizou a “pejotização” – e aqui não cabe digressão de cunho sócio-econômico-político, senão apenas jurídico.
Para melhor encaminhamento das nossas razões, caberia separar o “joio do trigo”, para facilitar o entendimento, nominando o que, até aqui, era concebido como “pejotização”, para “pejotismo” (cujo radical “ismo” informa excesso, exagero, e tem sentido negativo) e “pejotização” como o novo conceito jurídico trazido, implicitamente, pela atual legislação em vigor.
O Direito, como relação intersubjetiva de condutas, e como o último bastião das forma do “controle social” (ilícito), com essa nova roupagem legislativa no que se refere a relação jurídica ora examinada, sem apelo a nenhum viés ideológico, e buscando um necessário distanciamento axiológico para exame do “facti espécie” ora estudado, em um mundo indiscutivelmente globalizado, não pode mais aceitar a “hipossuficiência” como critério radical ontico do trabalhador brasileiro, a merecer uma legislação protecionista que, nos anos quarenta, teve sua razão necessária de ser como oposição ao estado escravocrata que norteava as relações laborais, até a alforria implementada pela edição da magistral CLT em 1943.
Vive-se, hoje, outro mundo, passadas mais de seis décadas daquela alforria, onde a relação Capital X Trabalho passou por inúmeras atualizações, para ficar numa linguagem digital, exigindo do legislador, atento às mudanças sociais, uma flexibilização daquela relação, com foco maior na sobrevivência dos dois atores da relação jurídica. A uma, minimizar os custos substantivos dos empregadores (quase o dobro do que embolsa o empregado é gasto com encargos sociais/impostos) e ampliar, legalmente, as oportunidades de emprego para aqueles que dispõem da sua força de trabalho como objeto do contrato.
Traçadas essas premissas temos que, sem passadismos, não se trata de nenhuma “precarização do trabalho” humano, mas atualização da relação Capital X Trabalho dentro dessa nova e inexorável relação jurídica.
Não estamos a defender, sublinhe-se, o engodo, o mascaramento, a ilegalidade que aqui denominamos de “pejotismo”, bem examinada pelos pretórios trabalhistas ao tornarem tal relação, espúria, ilegal, nula, com o necessário pagamento de todos os direitos, benefícios e vantagens concebidas na legislação celetista. Não.
O que pretendemos esclarecer é que a nova “reforma trabalhista” e o crescente fenômeno da terceirização da mão-de-obra, diante do quadro das relações de trabalho nesse mundo globalizado, necessitava de ajustamentos que pudessem fazer avançar aquela relação Capital x Trabalho que, de outra forma, levaria uma imensa parte da força de trabalho brasileira à informalidade, e a maioria das pequenas e médias empresas – essas que constituem a maior absorção da força de trabalho do pais, à insolvência e capitulação.
Assim sendo, hão de ser delimitadas as linhas nodais que devem separar o “pejotismo”, indesejável e repulsivo, alijado com todos os rigores da relação celetista aplicável, e com os rigores decorrentes da nulidade reconhecida, da “pejotização” enquanto forma flexível de uma novel relação de prestação terceirizada de trabalho, nos moldes da propalada “reforma trabalhista” recém implantada no país.
Quem busque coerência hermenêutica na interpretação de nova norma regente de uma relação jurídica, há que se utilizar de ferramenta fenomenológica para dissociar o “ismo” da “zação”, a ilegalidade da legalidade, aproveitando-se da flexibilização enquanto regra atualizadora dessa nova relação jurídica de trabalho.
A relação jurídica empregatícia se encontra fenomenicamente concebida nos pilares estabelecidos no art. 2º da CLT que a define como uma relação onde hão que estar presentes os requisitos da pessoalidade, habitualidade, onerosidade, exclusividade e, maior de todos, a subordinação hierárquica, não técnica, característica essa que não se insere na condição “hierárquica” esta, sim, configuradora do vínculo laboral celetista.
Ora, como antes da reforma trabalhista era vedado a terceirização, pela “pejotização”, quando a prestação de serviços ocorresse na “atividade fim” da empresa contratante, era fácil a configuração da ilegalidade perpetrada pelo empregador. Contudo, agora, com a flexibilização normativa que possibilita a terceirização dos serviços na atividade-fim pela “pejotização” de uma relação jurídica de trabalho, tornou-se difícil estabelecer parâmetros gerais para enquadrar uma dada relação jurídica como devidamente ajustada ao novo padrão normativo.
Pode-se alinhar, a priori, e por exclusão, que se em uma certa relação jurídica de trabalho, onde não se exija do contratado, do prestador de serviço, nenhum daqueles requisitos supra, configuradores da relação empregatícia celetista, especialmente a subordinação hierárquica, estaremos diante de uma “pejotização” absolutamente legal, ainda mais se ela é primária e não sucedida de um Contrato de Emprego formalizado e extinto dentro dos 18 (dezoito) meses exigido pela novel legislação (Art. 5º – C, da LEI Nº 13.467, de 13 de julho de 2017 que alterou a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT), conforme uma das exigência da reforma legislativa, para o estabelecimento de um contrato PJ.
A contrário senso, se as recentes regras e condições legais estabelecidas na Lei nº 6.019/74 forem cumpridas, mas somente no seu aspecto formal – CNPJ, prazo, número de empregados etc., mas sob o aspecto fático da relação travada forem observados aqueles requisitos ônticos de uma relação empregatícia subordinada, essa contratação, questionada que seja perante o judiciário trabalhista, certamente será considerada nula, com pagamentos de todos os direitos e benefícios próprios de uma vinculação empregatícia, com sérios ônus para o contratante, desavisado ou de má-fé.
Traçadas as necessárias distinções e, agora, voltadas as atenções para a área médica, que nos interessa considerar, pode-se inicialmente asseverar que, diversamente de outras áreas do trabalho humano, especificamente no ramo industrial, basicamente, e comercial, parcialmente, onde a prevalência será, sempre, o da contratação sob vínculo celetista face as suas peculiaridades inerentes, é na área dos serviços, da prestação de serviços, que a nova roupagem jurídica tende a se ver mais aplicável, sem maiores riscos empresariais.
Examinando, assim, de per si, o trabalho, a força laboral, no campo dos serviços médicos e, nele, nas áreas técnicas e mais especializadas, força é perceber que a nova reforma trabalhista tem espaço para fazer atuar a “pejotização”, e sem qualquer risco empresarial, ainda quando possam, aqui e ali, estarem presentes alguns dos elementos configuradores da relação empregatícia.
Por exclusão, e dentro da área médica, seja no âmbito hospitalar, seja no das clínicas médicas de maior porte, a pejotização na área-fim, que é o que nos interessa aqui, não terá cabimento legal se a prestação principal dos serviços médicos (médicos propriamente dito, afastados os outros serviços, por assim dizer, satélites) tiverem mais de uma forma de contratação senão que a pejotização ocorra, indistintamente, com todos os prestadores-fim, corre-se o risco de vir ser todos os vários contratos considerados nulos – contratação de prestador pessoa física autônoma, por exemplo, já que, sob ótica fática, todos os contratados estariam prestando o mesmo serviço, a merecer, assim, o mesmo tipo de contratação, a da pejotização legal.
Assim sendo, em princípio, a contratação de profissionais da medicina, em suas especialidades, para atuação na área-fim da empresa contratante, sob a forma de pejotização, e desde que atendidas as exigências da nova legislação ampliativa mencionada, é fenômeno natural no ambiente econômico brasileiro, mas deve ter cuidado o contratante de que, sob a ótica dos fatos, não se venha a exigir do contratado aqueles típicos requisitos configuradores de uma relação empregatícia, com destaque para a subordinação hierárquica imprescindível, podendo ser flexibilizados os demais requisitos já que, cada um deles, como já referido, não são suficientes para sua caracterização.
Salvador 18 de fevereiro de 2022.
Autor: Fred Machado Neto (Sócio-fundador do Escritório MNBF)